Rede Globo, poder e corrupção: tudo a ver
JOÃO GABRIEL VIEIRA BORDIN
A
recente declaração do ex-braço direito do imperador midiático Roberto
Marinho, o executivo José Bonifácio Sobrinho, não deve nos impressionar.
Trata-se de uma cortina de fumaça para camuflar a verdadeira natureza
da Rede Globo: corrupta, monopolizadora, discricionária, obsedada pelo
poder. Numa entrevista concedida para a Globonews, José Bonifácio
Sobrinho, o Boni, comenta sobre a influência da vetusta platinada (como a
Globo procura se apresentar ao público, ou seja, como incorruptível, de
moral ilibada etc.) nas eleições de 1989, primeira após a abertura
democrática. O episódio diz respeito ao último debate entre Lula e
Collor, ambos candidatos ao segundo turno. A Rede Globo teria sido,
segundo Boni, responsável pelas jogadas de marketing do então “caçador
de marajás”, assessorando-lhe em coisas como retirar a gravata, plantar
suores falsos e ostentar pastas vazias que supostamente continham
denúncias contra Lula.
Tais alegações são
risíveis. Não porque talvez não sejam verdadeiras, mas porque estão
muito longe de representar a real história do quarto poder no Brasil. Na
verdade, a relação promíscua entre a Rede Globo e o poder político e
econômico vai muito além da maquiagem no pescoço e no semblante de um
jovem Collor no auge de sua carreira política; vai muito além, portanto,
da simples assessoria à imagem de um político. Roberto Marinho e seu
canal de televisão participaram ostensivamente do poder político,
imiscuindo-se diretamente nos rumos do Estado brasileiro tendo em mira
interesses econômicos e ideológicos próprios. Parafraseando a confissão
que, em certa ocasião, fez seu fundador, podemos afirmar que “sim, a
Globo usa o poder”.
A ficha policial da Rede
Globo é extensa, embora muita coisa esteja ainda escondida debaixo dos
tapetes. De fato, ela já nasce fecundada pelo projeto ideológico
imperialista estadunidense, interessado em conter uma possível
contaminação da América Latina pelo socialismo soviético. A ascensão da
Rede Globo ao canal de televisão mais poderoso da América Latina, em
tempo tão diminuto, não teria sido possível se não fosse a injeção de um
montante enorme de capital ianque na empresa, através do grupo
Time-Life, durante a década de 1960. Os negócios entre a Rede Globo e a
Time-Life não significaram apenas uma violação às regras econômicas
impostas pela constituição brasileira, mas sim a criação de uma arma de
propaganda ideológica burguesa e imperialista no Brasil. E Roberto
Marinho manteve-se sempre fiel a essa orientação ideológica.
Todo
o império midiático da rede Globo foi construído em harmonia perfeita
com os mais de vinte anos de Regime Militar no Brasil. Uma declaração do
general-presidente Médici, em pleno AI-5, expressa muito bem essa
relação: "Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário.
Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está
em paz". Não à toa, a Globo resistiu até o último minuto ao lado dos
militares contra o movimento pela abertura democrática. Em janeiro de
1984, uma passeata na Praça da Sé, na qual compareceram mais de duzentas
mil pessoas exigindo eleições diretas para presidente, foi noticiada
pelo Jornal Nacional como se tratando de uma comemoração pelo
aniversário da cidade de São Paulo. Hoje, a sempre vetusta Globo, pinta
sua imagem como se fosse um exemplo de luta pela democracia e pela
justiça.
Mas a ingerência da Globo nos processos
político e social vai muito além da manipulação da informação. Sabe-se
que pelo menos durante as eleições de 1982 Roberto Marinho partiu para a
corrupção ativa – contudo, dificilmente este deve ser um caso isolado. O
escândalo ficou conhecido como Proconsult, nome da empresa privada
contratada para apurar os votos das eleições no estado do Rio de
Janeiro. A Rede Globo teria se mancomunado com a empresa para fraudar o
resultado da eleição para governador, fraude que, se não descoberta,
teria levado à derrota de Leonel Brizola ante o candidato conservador do
PDS, Moreira Franco. Até hoje a Globo nega que tenha participado de
qualquer ato fraudulento na contagem dos votos no Rio de Janeiro,
admitindo apenas que noticiou equivocadamente, e sem qualquer má-fé, a
vitória de Franco sobre Brizola. Tanto a fraude operada pela Proconsult
quanto a deturpação na veiculação do resultado da eleição foram
conscientemente orquestrados por Roberto Marinho.
O
mesmo pode-se dizer quanto às eleições de 1989. O papel da Globo na
eleição de Collor foi o de empreender uma campanha de manipulação de
dados, de difamação, de informações desencontradas, e assim por diante,
contra Lula, que tinha, no segundo turno, chance real de vitória (o
resultado final foi de poucos pontos percentuais de diferença a favor de
Collor). O último debate foi deliberadamente manipulado pelos jornais
da rede, favorecendo evidentemente o candidato da direita. Em que medida
essa ação pesou no resultado das eleições é difícil determinar, mas é
certo que deve ter exercido algum impacto real. Além disso, embora tenha
sido este caso o único denunciado, é certo que muitas outras formas
sutis de manipulação devem ter passado despercebidas.
Em
suma, a declaração do antigo executivo da Rede Globo não nos deve
enganar, retirando o foco da verdadeira questão. Roberto Marinho e seu
canal de TV exerceram e, decerto, exercem ainda uma atividade criminosa
no país, atentando contra a soberania nacional e à independência do
Estado. Não se trata de uma influência indireta, mas direta e ostensiva,
e que só terá fim com a extinção do oligopólio e com a democratização
do espectro radiodifusor no país. O que devemos ter em mente é a
necessidade de lutar por um novo marco regulatório no âmbito das
telecomunicações. De fato, há um projeto nesse sentido sendo construído
no legislativo, mas trata-se de uma nova forma de garantir os mesmos
privilégios e a mesma estrutura corrupta e privatista.
A
revelação de Boni deve nos lembrar que a Globo tem de acabar, ou pelo
menos tem de se transformar em um canal de proporções modestas,
concorrendo com centenas de outros canais no interior de uma
radiodifusão democratizada.
João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.
Fonte: Blog Gilson Sampaio