A intimidade com que expôs traços, costumes e contradições da cultura
brasileira foram um dos fatores por trás da popularidade de que Amado
desfrutou em vida.
Centenário de Jorge Amado
Mas no centenário de nascimento do
escritor baiano, celebrado nesta sexta-feira, o reconhecimento sobre a
importância de sua obra continua a crescer no Brasil e no exterior.
Amado é um dos escritores brasileiros mais conhecidos internacionalmente, com obras publicadas em 49 línguas e 55 países.
O interesse aumentou com a aproximação do
centenário. Nos últimos três anos, pelo menos 45 contratos foram
fechados com editoras estrangeiras para a publicação de seus livros,
conta Thyago Nogueira, editor responsável por sua obra na Companhia das
Letras.
O escritor Jorge Amado observa o Pelourinho, em Salvador. (Foto: AFP/Agência A Tarde)
Países como Romênia, Alemanha, Espanha,
Bulgária, Sérvia, China, Estados Unidos e Rússia são alguns dos que
firmaram contratos recentes para lançar seus livros, diz Nogueira.
Para marcar a data, a prestigiosa coleção Penguin Classics está lançando dois de seus livros em inglês,
A morte e a morte de Quincas Berro d'água e
A descoberta da América pelos turcos. Amado é o segundo autor brasileiro publicado pelo selo, o primeiro foi Euclides da Cunha.
O centenário motivou uma série de seminários e
eventos comemorativos em cidades como Salvador, Ilhéus, Londres, Madri,
Lisboa, Salamanca e Paris.
A reverberação lembra a frase do escritor
moçambicano Mia Couto, para quem Amado fez mais para projetar a imagem
do Brasil lá fora do que todas as instituições governamentais reunidas.
"Jorge Amado não escreveu livros, escreveu um
país", afirmou Couto em 2008, em uma palestra em que prestou testemunho
sobre a forte influência do autor sobre escritores africanos.
Amado nasceu em 12 de agosto de 1912 em Itabuna,
na Bahia, e escreveu quase 40 livros, com um olhar aguçado sobre os
costumes e a cultura popular do país. Ele morreu em 2001.
A fazenda de cacau em que nasceu, os terreiros
de candomblé, a mistura de crenças religiosas, a pobreza nas ruas de
Salvador, a miscigenação, o racismo velado da sociedade brasileira são
alguns dos elementos que compõem sua obra, caracterizada por uma
"profunda identificação com o povo brasileiro", diz Eduardo de Assis
Duarte.
"Ele tinha o compromisso de ser uma espécie de
narrador do Brasil, alguém que quer passar o país a limpo", diz o
pesquisador, professor de Teoria da Literatura na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e autor de
Jorge Amado: Romance em tempos de utopia.
O baiano destacou a herança africana e a mistura que compõe a sociedade brasileira como valores positivos do país.
Livro traduzido para o inglês na comemoração do centenário de nascimento de Amado. (Foto: Divulgação)
Ele adotava uma postura crítica dos problemas
sociais do país e ao mesmo tempo retratava "um povo alegre, trabalhador,
que não desiste", diz Assis Duarte. "Para os críticos, ele faz uma
idealização do povo."
Amado leva para o centro de suas histórias
heróis improváveis para seus tempos - um negro, uma prostituta, um
faxineiro, meninos de rua, mulheres protagonistas.
"Ele traz o homem do povo para o centro do
livro. Coloca-o como herói de suas histórias e ganha o homem do povo
como leitor", diz Assis Duarte.
Comunismo
Tanto a vida quanto a obra de Amado foram
marcadas por sua militância no comunismo. Os livros do início de sua
carreira eram fortemente ideológicos.
"Saíram livros bons dessa fase, mas também
livros muito panfletários, maniqueístas, em que os ricos são todos maus e
os pobres são todos bons", comenta a antropóloga Ilana Goldstein,
autora de
O Brasil best seller de Jorge Amado: literatura e identidade nacional.
O baiano chegou a se eleger deputado em 1945 -
seu slogan, lembra Ilana, era "o romancista do povo". Apenas dois anos
depois, porém, teve que partir para o exílio na França. Sob pressão da
Guerra Fria, o Partido Comunista Brasileiro fora banido e seu mandato,
cassado.
Durante os cinco anos de exílio, passados com a
esposa Zélia Gattai na França e na antiga Tcheco-eslováquia, Amado
viajou e ampliou seu círculo de amizades - conheceu Pablo Picasso,
Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir.
Nos anos 1950, época em que os crimes do líder
soviético Josef Stalin vieram à tona, Amado rompeu com o partido.
Iniciou-se uma nova fase em sua literatura, mais leve e bem-humorada,
menos ideológica.
Para as massas
Amado gostava de se definir como um "contador de
causos". Mais do que explorar novas linguagens literárias, seu objetivo
era conquistar leitores e alcançar a massa, diz Assis Duarte.
Sua linguagem era coloquial, simples, como a
língua falada; sua forma de contar histórias era folhetinesca, com
muitos personagens, ápices e acontecimentos.
Isso ajuda a explicar a rejeição da crítica
acadêmica durante muitos anos. Também ajuda a entender as prolíficas
adaptações de sua obra para filmes, novelas, peças e séries de TV.
Na foto, Jorge Amado enquanto escrevia Tocaia grande. (Foto: Divulgação)
"Sua literatura se aproxima da cultura de massa.
São textos que parecem ter sido escritos para serem adaptados", diz
Assis Duarte.
Com a preocupação de proporcionar uma leitura agradável, Amado fez o que queria: conquistar leitores e contar suas histórias.
"Ele foi um escritor popular em um país onde não
se lê muito, e que não tem uma tradição de leitura apesar de ter
grandes escritores", diz Milton Hatoum.
O escritor amazonense leu Jorge Amado pela primeira vez na escola de Manaus, aos 14 anos. A professora apresentou
Capitães da Areia, logo cativando o interesse da classe ao contar que o livro havia sido queimado em Salvador em 1937, durante o Estado Novo.
"Eu era de Manaus, e para mim o Brasil era aquele mundo cercado de água e de floresta. A leitura de
Capitães da Areia foi uma revelação de outra paisagem social e geográfica no mesmo país."
Para Hatoum, o universo ficcional rico em tramas
e personagens de Amado parece dar conta de toda a pirâmide social do
Brasil, da elite política e econômica aos mais desvalidos.
Ele afirma quase poder tocar os lugares e
personagens quando lê a obra de Amado. "O mundo que ele criou é cheio de
personagens muito vivos, de um colorido, uma sensualidade que não é
exótica. Quer dizer, é exótica, talvez, para quem não conhece a Bahia ou
o Brasil."
Fonte:
BBC Brasil