RIO - Depois da denúncia de homofobia, moradores da “vila da discórdia”, na Tijuca, acusam o casal homossexual, que registrou queixa de agressão contra eles, de ser racista. Eles alegam ainda que os dois chegaram a filmar festas no condomínio, o que consideraram invasão de privacidade. Flavio Miceli, de 60 anos, e Eduardo Michels, de 62 anos, estão sem poder voltar para a casa e permanecem hospedados com parentes.
Os dois dizem ter sido brutalmente agredidos e xingados.
— Ainda estou muito abalado — disse Flavio, anteontem, alegando que o início da confusão foi uma reclamação sua sobre festas dos vizinhos que vão até as 5h.
O casal, que registrou queixa na 20ª DP (Vila Isabel), diz ter ouvido coisas absurdas, como a de que a vila “não é lugar de gay”. Os vizinhos, que não queriam comentar a denúncia, levada à Defensoria Pública do estado, resolveram ontem falar. A família que seria o pivô da confusão é a do aposentado Jorge Acyr da Matta, subsíndico do condomínio. Ele nega ser homofóbico e acusa Flavio e Eduardo de racistas. Segundo ele, os dois costumam desrespeitar seus parentes por serem negros. Sua mulher também teria sido maltratada.
— O meu erro foi não ter registrado a injúria racial — defende-se Jorge que está organizando um abaixo-assinado para tentar retirar o casal da vila. — Ele (referindo-se a Eduardo) já me chamou de macaco e favelado, e me trata como se eu fosse o porteiro, e não um morador. Hoje, nós é que estamos com medo de sofrer represálias na nossa casa
A versão de Jorge é que tudo começou no feriado de Tiradentes, quando ele comemorou seu aniversário na então pacata vila da Tijuca. Um desentendimento entre o aniversariante e Flavio foi parar na delegacia, onde um acusou o outro de ter iniciado as agressões. Jorge diz que abordou Flavio, que estava filmando a comemoração, por achar a atitude dele uma invasão de privacidade. Nesse momento, conta, empurrou o vizinho para não levar um soco. Já Flavio diz que caiu no chão e apanhou até de convidados da festa.
Mais briga após troca de fechadura
Uma nova briga teve início quando a fechadura do portão da vila foi trocada, e uma cópia da chave não foi entregue nem a Eduardo, nem a Flavio. O imóvel, onde mora Eduardo, está alugado em nome de Lúcia, irmã de Flavio. Ele mesmo não mora ali, onde vai para visitar Eduardo. Apenas quatro dias depois, esse novo desentendimento virou uma segunda queixa na delegacia.
Os vizinhos sustentam que a fechadura foi trocada porque enguiçou após chuvas. O síndico Gustavo Campos Barcelo informou, na polícia, que exigiu cópia do contrato de locação para entregar as chaves. Mas, segundo ele, em vez de entregar o documento, o casal teria feito ameaças. Flavio, por sua vez, assegura que apresentou o contrato de locação. Entretanto, observa que, ao ver o síndico, o reconheceu como um de seus agressores no dia da festa. Ativista LGBT, Eduardo diz ter ficado sem saber o que fazer ao se ver vítima de homofobia.
— Cortaram minha luz e até o interfone. O gay sempre acaba sendo ativista, porque sofre preconceito até mesmo dentro de casa. Um negro, quando é vítima de racismo, recebe apoio dentro de casa, mas o gay, não. Muitas vezes os próprios pais são preconceituosos.Os desentendimentos levaram os vizinhos a trocarem acusações mútuas em dois registros na delegacia de Vila Isabel num intervalo de apenas quatro dias. No primeiro deles (dia 21), o registro trata de uma agressão mútua. Jorge Acyr da Matta, que foi acusado de agredir Flavio, disse que abordou o vizinho porque ficou irritado com uma atitude tomada por ele. No sábado, Jorge disse que enquanto ocorria uma festa, Flávio filmava os convidados. Jorge alegou que foi o primeiro a ser agredido, quando abordou o vizinho para reclamar do que considerava uma invasão de privacidade. E que empurrou o vizinho para não ser atingido por um soco.
Na versão de Flávio, foi Jorge que se tornou agressivo primeiro. Quando tentava se proteger, acabou caindo ao chão. E logo depois também foi agredido por convidados da festa.
A troca das chaves do portão, segundo vizinhos do casal homossexual, se deu porque houve um defeito na fechadura, que ficou danificada por causa de chuvas. Novamente, as versões são contraditórias no boletim de ocorrência, registrado no dia 24.
O síndico do prédio, Gustavo Campos Barcelo, registrou uma queixa de ameaça contra , depois que ele se recusou a entregar uma cópia da nova chave para Flávio, Lúcia (irmã de Flávio) e Luís Eduardo.
Flávio alegou que pediu uma cópia do contrato de locação do imóvel para provar que de fato moravam no local, já que desconfiavam que o imóvel estava sendo sublocado. Com a recusa de apresentar o documento, os três deixaram o local. E o casal teria feito ameaças contra ele. Flávio, por sua vez, disse na delegacia que ao chegar ao apartamento do síndico reconheceu Gustavo como um daqueles que o agrediu no dia da festa. E que ao deixarem o local, Lúcia teria dito: isso não vai ficar assim, não. Vocês bateram no meu irmão.
Fonte: Globo.com